Nota sobre Agora falando sério
(Análise literária)
Desenho mágico, Adélia Bezerra de Meneses
Letra
"No entanto, no quarto disco - aquele em que faz uma revisão da própria poética - Chico Buarque empreende uma crítica à crença no poder de transformação social - provisório que seja - da canção.
Agora falando sério
Eu queria não cantar
A cantiga bonita
Que se acredita
Que o mal espanta
- diz ele em Agora falando sério. Daí um questionamento da própria poética e seus motivos, chegando a renegar o lirismo:
Dou um chute no lirismo
Um pega no cachorro
E um tiro no sabiá
Dou um fora no violino
Faço a mala e corro
Pra não ver a banda passar
Agora falando sério
Eu queria não mentir
Não queria enganar
Driblar, iludir
Tanto desencanto
E você que está me ouvindo
Quer saber o que está havendo
Com as flores do meu quintal?
O amor-perfeito, traindo
A sempre-viva, morrendo
E a rosa, cheirando mal
É perfeito como autocrítica: Chico reconhece o quanto as suas canções foram, no fundo, uma tentativa de "enganar/ driblar, iludir/ Tanto desencanto". E foi o desencanto que motivou, em Chico Buarque, a sua recusa do tempo - que significa uma recusa da história. Pois a volta que sempre se dá nas suas canções, o retorno a uma situação arquetípica (no escopo de recuperar o conteúdo de certas experiências) é, no fundo, uma tentativa de vencer a roda-vida, metáfora do tempo.
"Agora falando sério/ Eu queria não cantar" - diz ele, confessando a crise. Uma crise na qual - como um instante em que tudo é posto em xeque - o risco é o do silêncio absoluto."
Fonte: Desenho mágico, Adélia Bezerra de Meneses, Editora Hucitec, 1982
Parte I - Lirismo Nostágico, página 64