Chico Buarque/1971
Gravada na Coleção 2 em 1 - Mário Reis - EMI Odeon
Notas sobre Bolsa de amores
Entrevista para Geraldo Leite, Rádio Eldorado
Letra
Como era o esquema de funcionamento da censura para liberar as músicas?
A censura prévia que valia pra teatro valia para letras de músicas também. Antes de gravar qualquer música tinha que mandar a letra pra censura federal. E esperar até a volta dessa letra, com carimbo e assinatura do chefe de censura. O que, aliás, provocava problemas graves porque gerava uma burocracia muito grande, atrasos... E às vezes não era nem implicância. As letras se perdiam no meio do caminho. Os produtores ficavam desesperados. Era um atraso de vida danado.
É evidente que uma vez proibido, ficava marcado. Eu e outros autores que tínhamos uma ou outra música proibida, ficávamos numa espécie de index da censura. Então a música que chegava com o meu nome chamava a atenção. E eu comecei a sofrer uns cortes bastante arbitrários. Tinha uma música que eu fiz pro Mário Reis e que não era nada, era brincadeira e eles proibiram alegando que era uma ofensa à mulher brasileira. Chamava-se Bolsa de amores. Era uma brincadeira que eu fiz com o Mário Reis porque ele gostava muito jogar na bolsa, tinha mania dessas coisas... Era a época em que só se falava em bolsa...
Tem dupla leitura. Caberia no Naji Nahas hoje, pela letra que eu li...
Poderia até caber no Naji Nahas hoje, mas eu não estava prevendo isso não...
É que naquela época tudo tinha outro sentido...
As pessoas atribuíam às vezes outros sentidos que eu mesmo não tinha atribuído. Era uma brincadeira pro Mário Reis, sem nenhuma implicação política, mesmo porque o Mário era uma pessoa absolutamente distanciada da política. Ele ficou tão revoltado com esse caso... Ele morava no Copacabana Palace e vivia com os grã-finos. Ele ia pra esses lugares e á cantava a música nos cabeleireiros, pra madames...
Enfim, aí eu senti que a barra estava pesada e aí falei: vamos experimentar com outro nome que pode ser que melhore. E realmente melhorou. As três primeiras músicas que eu mandei, onde eu assinava como Julinho da Adelaide, passaram. Se fossem com o meu nome, provavelmente, não passariam. Foi um artifício que funcionou durante pouco tempo. Depois ficou meio marcado, porque só eu gravava esse tal de Julinho da Adelaide, e começou correr a suspeita de que o Julinho da Adelaide seria um pseudônimo, até que o Jornal do Brasil publicou uma matéria falando sobre a censura e divulgou a verdade: que o Julinho da Adelaide era realmente um pseudônimo.
Entrevista para Geraldo Leite, Rádio Eldorado, 1989