Nota sobre Piano na mangueira
Por Luiz Roberto de Oliveira
Letra
Chico - Porque o Tom era implicante com o negócio da letra, e eu tinha de discutir e tinha de convencê-lo, porque ele nunca me dobrou - só que aí eu tinha certeza do que eu queria, entende, ele brincava muito e tinha aquela coisa dele...
LR - "Monday, tuesday, wednesday"... Aconteceu isso mesmo?
Chico - É...
LR - "Mandei subir"...
Chico - É, e aí eu ganhava a discussão, mas ele tinha uma coisa de pirraça de criança, e depois mais tarde ele era capaz de gravar "Mandei subir o piano pra Mangueira" ele mesmo...
LR - Ele mesmo adaptou...
Chico - Mas na época ele (cantava a música) "Já mandei..." (e brincava): "monday, tuesday, wednesday..." e tal. Acusei o golpe e falei o seguinte: - ô Tom, é "já mandei" porque o piano está subindo o morro puxado naquelas cordas, está indo todo torto, então ele vai desconjuntar e tem que ter essa sílaba tônica no lugar errado: "já mandei subir"...
E ele parecia concordar: "Até que você tem razão...", e mais adiante, gravando, ele cantava mesmo é "mandei subir o piano"...
E com esta música mesmo tem várias histórias: ele fez a música, mandou a música, e eu fiz a letra respeitando cada nota, respeitando cada movimento, procurando ser o mais fiel e o mais preciso e o mais irretocável. Algumas vezes aconteceu, inclusive com o Piano na Mangueira, que quando eu terminava a letra, ele ouvia, às vezes fazia algumas brincadeiras e tal, mas eu ficava sério, pronto para sustentar o meu ponto de vista, e aí às vezes o que ele fazia? Ele mudava a música!
Depois da letra pronta, sendo que eu tinha feito a letra exatamente para a música como ela era.
LR - Na métrica exata da música...
Chico - E aí ele mudava a música, respeitando a letra. Eu ficava um pouquinho assim (chateado), e pensava: "Mas me deu tanto trabalho fazer a letra para essa música, e ele faz outra música com a minha letra." Com o "Piano na Mangueira" aconteceu isso - tem um trecho (de melodia) no final que ele mudou, não tinha nem na música nem na letra que eu fiz.
LR - Ah é?
Chico - Não tinha esse troço... (cantarola) "onde a cabrocha pendura a saia no amanhecer da quarta-feira..." Ele fez isso depois...
LR - E essa frase aguda do final ("...no amanhecer da quarta-feira"), será que não foi pra dar um certo clímax, uma resolução da melodia?
Chico - É, mas ele musicou a letra! Eu tinha certeza de ter feito correto pra música dele, e ele deu a volta, na realidade.
LR - E aí acabou ficando "mandei subir o piano pra Mangueira".
Chico - O "meu piano" foi outra coisa que eu discuti com ele: - ô Tom, é "o piano...". Aliás, eu trazia a letra pronta e aí ele ia cantando, cantando, e como se estivesse errando, mudava a letra. "Mandei subir meu piano pra..." e estava escrito "...o piano pra Mangueira". Eu pensava, bom, ele leu errado, agora vai cantar certo, e eu dizia: -Tom, não é "meu piano", é "o piano", uma coisa mais vaga assim... E ele dizia "Ah, tá bom" e na vez seguinte cantava "meu piano"...
Chico - E eu falava: - É bonito "o piano" sem ser "meu", porque em francês, onde tudo é possessivo (e eu tenho essa experiência agora que eu estou traduzindo um livro), tem que ser "meu piano" ou "seu piano", piano dele ou piano dela. Eu lembro de ter comentado isso com o Tom, é bonito na língua portuguesa, "mandei subir o piano"...
© Luiz Roberto de Oliveira, na Home Page de Tom Jobim