Nota sobre A volta do malandro
Nossa América
Letra
NA - Você já teve alguma experiência de criação utilizando a tecnologia, ou limitou-se apenas ao violão?
Chico - Hoje em dia, dá para se ter um estúdio completo em casa. Eu, é claro, não tenho. Trabalhei, algumas vezes, com um gravador de quatro canais que permite fazer gravações superpostas. Há dez anos, esse gravador era uma novidade. Eu comprei há cinco, de segunda mão. Hoje, é peça de museu...
NA - Como você trabalha com ele?
Chico - Consegui bons resultados, mas é difícil explicar sem mostrar a música. Por exemplo: eu estava fazendo uma música, A volta do malandro, e na minha cabeça havia duas batidas de violão completamente diferentes, um contraponto rítmico que me interessava. Eu tocava uma e ouvia outra ao mesmo tempo - ouvia na minha cabeça. Usando aquele gravador, ficou mais fácil: gravei a primeira batida, que era seca, constante, quase de rock, e em seguida a outra, sincopada. Depois, ouvi as duas juntas, e pronto: em cima delas arrematei a melodia. Na hora, eu não tinha muito clara a idéia do que ia sair, mas acabou ficando melhor do que eu imaginava.
NA - Então, esse recurso tecnológico - embora, como você mesmo diz, já um tanto antiquado, acabou influindo em seu processo de criação.
Chico - É, e às vezes tenho vontade de estudar música a fundo, de me tornar um músico mais completo, para dominar toda a linha de criação, do primeiro lampejo ao resultado final. A canção é enriquecida pelo trabalho dos músicos, do arranjador, do produtor, pelos recursos do estúdio, e isso me dá um pouco de ciúme. Muitas vezes, tenho idéias que não aparecem em uma gravação porque não sei verbalizar o que quero.
Fonte: Entrevista para a Revista Nossa América, 1989