Nota para Maravilha e Tanto Amar
Entrevista para a Revista Nossa América
Letra
Nossa América - Como aconteceu essa aproximação sua com Cuba?
Chico - Em 1976, Fernando Morais, que tinha ido a Cuba, fez lá em casa uma projeção de slides. Naquele tempo esse negócio de vídeo não era tão difundido. Lembro até hoje da parede de casa com as imagens de Cuba. O Fernando falava da ilha, e um grupo ouvia e fazia perguntas. Para nós, tudo era novidade. Naquele tempo, só se ia a Cuba exilado ou clandestino. Fernando foi o primeiro jornalista a fazer uma viagem às claras. Depois daquela noite, veio o convite da Casa de las Américas. O grupo era formado por Ignácio de Loyola Brandão, Antonio Callado, Fernando Morais e eu. Era a primeira vez desde 1964 que brasileiros do Brasil participavam do júri: antes, só brasileiros que estavam fora, exilados. Então, as imagens projetadas na parede da minha casa foram o começo.
NA - E antes da viagem das imagens na parede o que Cuba significava pra você?
Chico - Para falar a verdade, uma coisa remota. A Revolução, a Crise dos Mísseis, a própria morte do Che Gue Vara eram fatos muito distantes. Acho que a morte do Che na Bolívia, em 1968, talvez tenha sido o último impacto que recebi de Cuba. A partir daí, e com tudo de retrógrado que aconteceu no Brasil, com o fechamento de todas as portas, Cuba ficou distante. Claro que antes havia uma imagem que posso chamar de romântica. Lembro até que, em 1964, no dia do golpe de Estado no Brasil, havia na Faculdade de Arquitetura de São Paulo, onde eu estudava, uma exposição de cartazes de cinema e teatro feitos em Cuba. Assim que a gente soube do golpe, um grupo de alunos invadiu a exposição e literalmente saqueou tudo. Eu levei para casa um cartaz da peça de Gorki, La madre. Nós todos sentimos que, com o golpe, se rompia para sempre um elo com Cuba, e queríamos preservar alguma coisa. Isso faz parte da pré-história da minha ligação com Cuba. Mas essa imagem romântica não se estendia à América Latina. Cuba era um caso separado, à parte.
NA - E como a ilha se transformou em ponte entre você e o Continente?
Chico - Em Cuba eu comecei a encontrar gente, conhecer pessoas de vários países latino-americanos: músicos, artistas, intelectuais. Antes, havia antecedentes isolados, como as viagens à Argentina e um pouco da música dos exilados chilenos. Minha primeira ida a Cuba coincidiu com um momento muito forte daquela espécie de movimento de resistência que era muito ativo nos anos 70: cinema, música, teatro, literatura. O tempo da latino-americanização, um movimento coletivo espontâneo. Cuba deixava de ser apenas refúgio de perseguidos políticos, dos banidos pelo sistema, dos grupos que seqüestravam aviões e iam parar lá. Vendo as imagens dos slides percebi, na hora, que alguma coisa mudava na minha cabeça. Deu vontade de ir lá ver. Quando recebi o convite, aceitei de imediato. Eu quase tinha me esquecido de Cuba... Além do mais, devo confessar que aceitar o convite significava a atração do desafio, da transgressão, de ir ao lugar proibido. Viajar clandestino era meio difícil, no meu caso. Fui, então, às claras: no começo de 1978 viajei para Lisboa, fiz um programa de televisão e em seguida embarquei para Havana.
NA - Antes mesmo da viagem você fez, com Francis Hime, uma música para Cuba, chamada Maravilha.
Chico - Essa música é de antes? Não me lembro. Acho que foi depois. O que lembro é que quando fiz a música para o filme Dona Flor e seus dois maridos, do Bruno Barreto, o que eu tinha na cabeça eram as imagens dos slides de Cuba na parede da minha casa. A música se chama 0 que será. A influência está no ritmo, no que eu achava que era a mistura de Cuba com a Bahia, e batizei de "Cubaião", um baião cubano.
NA - E na letra?
Chico - A letra dessa canção é libertária, até um pouco anárquica, mas não tem nada a ver com Cuba. Acho que eu mesmo não sei o que existe por trás dessa letra e, se soubesse, não teria cabimento explicar. A letra, afinal, é uma pergunta, não uma resposta. Mas não é, com certeza, da Revolução que ela fala. Em, outras canções, a inlluência de Cuba e da América Latina aparece nas letras. É o caso de Tanto amar, que fala do circuito comum aos latino-americanos que eu encontrava em Cuba. Fala da Bodeguita, de Havana, de Manágua e de Porto Rico, mas é uma canção de amor.
Entrevista para a Revista Nossa América, 1989