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LETRA

A voz do dono e o dono da voz

A voz do dono e o dono da voz

Até quem sabe a voz do dono
Gostava do dono da voz
Casal igual a nós, de entrega e de abandono
De guerra e paz, contras e prós

Fizeram bodas de acetato – de fato
Assim como os nossos avós
O dono prensa a voz, a voz resulta um prato
Que gira para todos nós

O dono andava com outras doses
A voz era de um dono só
Deus deu ao dono os dentes, Deus deu ao dono as nozes
Às vozes Deus só deu seu dó

Porém a voz ficou cansada após
Cem anos fazendo a santa
Sonhou se desatar de tantos nós
Nas cordas de outra garganta
A louca escorregava nos lençóis
Chegou a sonhar amantes
E, rouca, regalar os seus bemóis
Em troca de alguns brilhantes

Enfim, a voz firmou contrato
E foi morar com novo algoz
Queria se prensar, queria ser um prato
Girar e se esquecer, veloz

Foi revelada na assembleia – ateia
Aquela situação atroz
A voz foi infiel trocando de traqueia
E o dono foi perdendo a voz

E o dono foi perdendo a linha – que tinha
E foi perdendo a luz e além
E disse: Minha voz, se vós não sereis minha
Vós não sereis de mais ninguém

(O que é bom para o dono é bom para a voz)

Die Stimme des Herrn und der Herr der Stimme

Versão alemã de Karin von Schweder-Schreiner

Wer weiß, womöglich hatte die Stimme
des Herrn
Den Herrn der Stimme gern
Ein Paar wie wir, mit Hingabe und
Mißachtung
Mit Krieg und Frieden, Pro und Kontra
Sie feierten Hochzeit in Azetat - in der
Tat
Genau wie unsere Großeltern
Der Herr preßt die Stimme, sie wird zu
einer Platte
Die sich für uns alle dreht
Der Herr trieb sich auch woanders rum
Die Stimme gehörte nur einem Herrn
Gott gab dem Herrn die Zähne, gab ihm
die Nüsse
Den Stimmen gab Gott nur ihren Ton
Doch die Stimme wurde es müde
Nach hundert Jahren Gefügigkeit
Sie träumte, sich zu lösen von den
engen Banden
Durch die Stimmbänder einer anderen
Kehle
Wie toll wälzte sie sich in den Laken
Träumte sogar von Liebhabern
Und erfreute sich heiser an ihrem b-Moll
Im Gegenzug für ein paar Brillanten
Schließlich schloß die Stimme einen
Vertrag
Und zog zu einem anderen Schinder
Sie wollte gepreßt, eine Platte werden,
Sich drehen und vergessen, ganz
schnell
In der Sitzung offenbarte sich
Diese gottlose Schreckenssituation
Die treulose Stimme hatte die Kehle
gewechselt
Und der Herr seine Stimme verloren
Und der Herr verlor seine Haltung
Und verlor den Verstand und noch mehr
Und sagte: Meine Stimme, wenn du
nicht mir gehörst
Sollst du auch keinem anderen gehören
(Was gut für den Herrn ist, ist gut für die Stimme)

La voz del dueno y el dueno de la voz

Versión de Silvia Ulrik y Roberto Echepare

 
Tal vez, quién sabe, la voz del dueño
Gustaba del ducho de la voz
Pareja como la nuestra, de entrega y abandono
De guerra y paz, contras y pros
Hicieron bodas de acetato - de facto
Así como nuestros abuelos
El dueño prensa la voz, la voz resulta un plato
Que gira para todos nosotros
El dueño andaba en otras cosas
La voz era de un dueño sólo
Dios le dio al dueño los dientes,
Dios le dio al dueño las nueces
A las voces Dios dio sólo su dolor
Pero la voz estaba cansada
Cien años haciendo de santa
Soñó en desatarse de tantos nudos
En las cuerdas de otra garganta
La loca se deslizaba entre las sábanas
Llegó a sonar amantes
Y, ronca, regalar sus bemoles
A cambio de algunos brillantes
Al fin, la voz firmó contrato
Y fue a vivir con nuevo verdugo
Quería prensarse, quería ser un plato
Girar y olvidar veloz
Fue revelada en la asamblea - atea
Aquella situación atroz
La voz fue infiel, cambiando de tráquea
Y el dueño fue perdiendo la voz
Y el dueño fue perdiendo la línea -que tenia
y fue perdiendo la luz y más
Y dijo: mi voz, si vos no serás mía
Vos no serás de nadie más.


1981 © - Marola Edições Musicais Ltda.
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Chico Buarque

ENCONTRADA NO

ÁLBUM

CURIOSIDADES

Nota sobre A voz do dono e o dono da voz
Por Humberto Werneck

     Letra 
Das mãos do pai, Chico recebeu um exemplar do Dicionário analógico da língua portuguesa, do goiano Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, com a informação certeira de que a obra lhe seria muito útil. Tanto tem sido que Chico cuidou de tê-la em duplicata — carregou o volume, em mau estado (é de 1950), para o seu apartamento parisiense e comprou outro para ter à mão no Rio de Janeiro. Os dicionários, aliás, vêm a ser uma de suas saudáveis obsessões, ao lado de variadas obras de referência — e foi essa paixão que o levou, certa vez, a ir fundo no esclarecimento de um suposto erro numa letra, apontado por um admirador que era fã, também, da ortodoxia gramatical.
Quem conta é o paulista Wagner Homem, responsável pelo website do compositor e provavelmente a mais copiosa fonte de informações sobre ele, sua obra e sua carreira. No final de 1998, durante os ensaios para o show As cidades, Wagner — "Kxorrão", como é por todos tratado — esteve com o amigo no Rio e lhe falou de um e-mail que tinha recebido, no qual um professor, "todo formal, chamando o Chico de senhor", questionava um verso de "A voz do dono e o dono da voz": em vez de "se vós não sereis minha” , o bom português não mandava escrever "se vós não fordes minha"?, questionava o remetente. "Chico coçou a orelha, num gesto muito seu, e arriscou uma ou duas explicações, sem muita convicção, tanto que não me convenceu", conta o Kxorrão. "Brinquei com ele, disse que ia responder ao cara que o dono da voz, além de arrogante, era ignorante."
No final da temporada, pelo menos seis meses depois dessa conversa, Chico ligou insistentemente para Wagner e, como não conseguiu falar com ele, deixou recado na secretária eletrônica: "Kxorro, sobre aquele negócio da 'Voz do dono e o dono da voz', ouça aqui" — e leu uma informação do dicionário Caldas Aulete, para concluir, de alma lavada: "Portanto, eu estava certo!". A história, acredita o amigo, "deve ter ficado em algum lugar prioritário da memória do Chico, esperando acabar a turnê, e resolver essa questão seguramente foi uma das primeiras coisas que ele fez depois de descansar um pouquinho".

(O autor de "A voz do dono e o dono da voz" também se lembra do episódio, mas diz que o dicionário apenas corroborou a explicação que deu ao Kxorrão já no primeiro momento, e que este julgou inconvincente. "Eu dizia que o 'se', no caso, não era condicional, mas uma constatação desesperançada, equivalente a um 'já que', ou seja: se você não será minha, não será de mais ninguém." E acrescenta: "Mas não faz mal, a versão do Kxorrão é melhor do que a minha")

© Copyright Humberto Werneck, em Chico Buarque: Tantas Palavras, Cia da Letras, 1989

Chico Buarque

Chico

Em 58 anos de carreira, compôs centenas de canções, aqui apresentadas por título, data, compostas em parcerias, versões e adaptações, compostas para teatro, cinema e aquelas que só aparecem em discos de outros intérpretes. Suas músicas foram gravadas em cerca de 40 álbuns, organizados por data, projetos, discos solo, gravações ao vivo, coletâneas e discos de outros intérpretes dedicados a ele. A obra completa do artista é uma das maiores riquezas que a cultura brasileira produziu até hoje.

CHICO BUARQUE

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