Notas sobre Vai trabalhar vagabundo
Por Humberto Werneck
Letra
Em parceria ou não, o instante da criação é de plenitude. É quando, no dizer de Marieta Severo (geralmente a primeira pessoa a quem Chico mostra suas músicas), ele vai do inferno ao paraíso. Um processo muito doloroso, Marieta diz, em que persegue alguma coisa que não sabe o que é. "Não é como um ator", ela compara, "que tem um personagem a guiá-lo." Primeiro, há a sensação de que não vai conseguir. Depois a percepção de algo a caminho. "A partir daí", conta Marieta, "é uma embriaguez". São, ela explica, os grandes momentos da vida de Chico. "Tudo fica banhado nisso, ele nem consegue dormir." Em Roma, na madrugada em que compôs Não fala de Maria, Chico acordou Toquinho para lhe mostrar a música. Quando terminou Vai trabalhar vagabundo, rebocou um enorme gravador de rolo e uma caixa de som até o restaurante Final do Leblon, onde jantavam Ruy Guerra e outros amigos, para lhes apresentar o novo samba.
A euforia, porém, não dura muito. Uns poucos dias depois, Chico começa a se distanciar de sua criatura. Já não põe mais a fita, nem vai ao violão, e quando chega a hora de gravar pouco restou da febre inicial. Por isso não se espere ouvir Chico Buarque em casa de Chico, a não ser nesses breves clarões de lua-de-mel, nem se pense que se vai agradá-lo pondo seus discos na vitrola.
© Copyright Humberto Werneck, Gol de letras, em Chico Buarque Letra e Música, Cia da Letras, 1989